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Foto: Divulgao |
Raros so os momentos em que vida e arte se encontram to claramente como na pr-estreia nacional de Homem Com H, cinebiografia de Ney Matogrosso, que o Viver acompanhou em So Paulo. O filme, que traz no elenco os pernambucanos Jesuta Barbosa (no papel do cantor) e Hermila Guedes (como a sua me, Beita), ainda no tinha comeado quando o homenageado apareceu na sala e arrancou aplausos calorosos. Ali, diante de todos, estava ele sorridente, radiante, to vivo quanto a trajetria retratada nas lentes e no texto do diretor Esmir Filho. Da violncia psicolgica e fsica imposta pelo pai, ando pela ascenso meterica dos Secos & Molhados, at a consagrao como um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos.
Para traduzir esse percurso com fidelidade, a obra ou por um longo processo de criao. Ao todo, 17 verses do roteiro foram escritas, 12 delas lidas por Ney, sempre com uma exigncia inegocivel: a verdade. “A primeira coisa que eu comentei com o Esmir foi que dizem e escrevem muita loucura ao meu respeito. Tem muita mentira por a. Nesse filme, no pode ter mentira, tudo que a gente colocar tem que ser verdadeiro. E eu fiquei satisfeito quando assisti, porque tudo que est ali aconteceu”, afirma o cantor, que emprestou sua voz para dublar as canes do longa, incluindo as clssicas Sangue Latino e Pro Dia Nascer Feliz.
Se o roteiro foi lapidado palavra por palavra, o mesmo rigor se aplicou construo do personagem. Afinal, para Jesuta Barbosa encarnar o ‘homem com H’ exigia sobretudo decifrar como Ney Matogrosso desmontou e remontou os alicerces da masculinidade. “Eu queria encontrar algo que, coletivamente, as pessoas reconhecem como Ney Matogrosso. Que fosse genuinamente meu e, ao mesmo tempo, permitisse uma comunicao verdadeira com ele e o pblico”, explica Jesuta, em conversa exclusiva com o Viver.
Durante as filmagens, a busca por autenticidade ou pelo crivo de Esmir Filho. O diretor equilibrava o projeto em dois eixos complementares: o Ney que todos conhecem e aquele que s o cinema poderia revelar. “Transformamos esse filme em um depoimento pessoal, no sentido de trazer coisas em que acreditamos e queremos expressar. Sinto que h uma construo de linguagem que conversa com os meus outros trabalhos, muito por essa pulso de corpo, de desejo, de relaes afetivas e possibilidades”, aponta o autor de filmes como Alguma Coisa Assim e Verlust.
Essa energia visceral – to caracterstica do prprio Ney – ganha sua expresso mais potente nas cenas de intimidade com seus grandes amores: Cazuza (Bruno Montaleone) e Marco de Maria (Julio Reis). Atravs desses polos afetivos, Homem com H revela as mltiplas dimenses do artista. “Existe um contraste interessante, quase irnico, entre os personagens. Cada um ocupa uma posio diferente, ora presa, ora predador, ora observador”, reflete Julio.
Bruno Montaleone preferiu navegar deriva nessa paixo enigmtica, que terminou pelo excesso de drogas e lcool do saudoso “exagerado”. “Eu acho que foi importante tentar no entender demais o que Ney e Cazuza viveram. A relao estava alm da carne, da visceralidade do momento. Era algo mais profundo, que se transformou no cuidado mtuo. Foi fundamental simplesmente sentir e deixar acontecer”, observa.
A sesso em So Paulo terminou como comeou, com aplausos que se prolongaram por minutos. Isso porque o filme cumpriu sua misso mais nobre: devolver ao artista a sua prpria histria, sem retoques. “Toda a minha vida foi contada sem pudor nenhum. No cabia pudor numa obra como essa”, crava Ney Matogrosso, que nunca pediu licena para ser quem . E Homem com H, assim como sua carreira, no pede desculpas.